13.2.13

Do carnaval



P.S. Eu tentei. Mas tentei errado, a verdade é essa. Coloquei o meu livro como final dos meu contos e ao assumir isso acabei colocando o livro como um grande vilão da minha vida. Um erro quase infantil. Não é sempre que quero escrever alguma coisa do livro e sempre quero escrever algum conto ou pensamento, coisa que não estava fazendo pois achava que devia concentrar a criatividade no livro. Ledo engando que foi corrigidio nesse carnaval, com um poeminha besta qu eu quero que vire samba - dedicado a você, isso, você mesma que ainda acredita em um amor e que ainda vai deixar eu fazer parte mais uma vez - e com um texto longo sobre muita coisa. Um esporro de ideias para matar as saudades que eu estava do papel. Foi.


01

E se todos os amores
que eu nasci para viver,
Já tenham sido vividos.

Como aquele beija flor
Que já beijou todas as flores
Como eu já beijei todas as noites
Aquelas bocas a perder 
pouco a pouco seu sabor.

Como aquela borboleta
Que já subiu o morro
E se deitou em um toco
pra ver a chuva cair

Deixa a chuva cair
Enquanto minha’lma
É lavada assim

Deixa a chuva cair no
Caminho pela estrada
Corro pela vida escura
Buscando algum gosto
Que não a amargura

E a noite chega trazendo
O que tinha que trazer da dor
O samba canta mais baixo
Enquanto eu acho que acho
Que um amor pode aparecer

Deixo meu olhar pousar
Nas estrelas tímidas
dessa noite escura a cantar

E minha cabeça clareia
Meu sangue na veia incendeia
E faz o céu brilhar mais
Enquanto o coração
Volta a ter uma certa paz


02

Depois que passa o medo chega a paz. O corpo larga o estado constante de atenção e dá lugar para uma sensação de tranquilidade. Acho que a mesma sensação que teria um urso quando encontra aquela caverna perfeita ou o sambista quando encontra uma boa rima, ou aquela sensação de paz que surgiu quando a guerra acabou antes de chegar perto do bairro que você morava, deixando só a guerra do dia a dia continuar sem ser interrompida por bombas e armas e gritos e sangue que só uma guerra de verdade pode trazer. Sem desmerecer a guerra diária de cada um.

A música chega mais suave aos ouvidos quando o corpo desliga esse instinto autoprotetivo, quando o cérebro deixa o escuro ser apenas escuro e não mais a morada de todos os seus medos, aqueles medos primários  e infantis como o medo do escuro em si, do que tem depois dele e que não pode ser visto, mas que pode ver você, ver dentro de você e assombrar-lhe a alma puxando para si todos os receios que você sempre carrega consigo mas que o excesso de informação do cotidiano finge não ver.

Deixo de ser o visitante indesejado de uma terra quase intocada. Deixo de sentir que a música vem aqui atrapalhar o movimento continuo de vida e morte das árvores que habitam esse lugar muito antes de verem suas iguais serem derrubadas e essa pequena cabana erguida. Essa pequena cabana com janelas em todas as paredes, muitos colchões e histórias que ultrapassam o próprio tempo do meu nascimento e por ele segue com uma boa memória em cada canto. Uma boa memória que nunca é apagada mas que o maldito cotidiano moderno – mais uma vez esse filha da puta – faz você lembrar menos do que deveria ser lembrada a tal memória. Esse excesso de informação inútil que faz um sucesso por semana, um pseudoprazer por dia e uma vida nova por hora enquanto você vai esquecendo a vida que teve, vai esquecendo do que te vez homem até agora.

Volto a ser aquele pequeno menino que por aqui andava pelado. Volto a andar pelado e a tomar banho pelado na mesma cachoeira que eu via duendes quando tinha meus tenros e poucos 3 anos de idade e volto a ver os duendes que antes eu via e continuo ficando aturdido quando os vejo e não consigo achar uma explicação clara para a existência desse pequenos seres que não podem ser vistos diretamente. É sempre um vulto de outra cor que vai além das cores que nossos olhos podem ver. É sempre um rastro de algum movimento que  faz você parar e observar aquele ponto específico por mais tempo que você olha todos os pontos específicos do seu dia e pronto, lá estão eles, os duendes, pequenos a viver suas aventuras num mundo cheio de aventuras e pouco explorado pelo homem.

03

Trago pouca coisa aqui pra para esse meu navio solitário. Trago algumas poucas peças de roupa, algumas poucas partes de comida que um homem solteiro pode precisar para acompanhar a caixa de cerveja diária e a garrafa de rum que espero acabar antes de aportar mais uma vez na cidade grande. Trago um saco de gelo para manter o calor longe do isopor que faz o papel de geladeira, onde jogo o fardo de cerveja diário e a mortadela que não pode estragar. No pequeno armário deixo a embalagem com o pão suéco, dois pacotes de amendoim e um porção de provolone ressecado e frito. Quando chego checo a validade do leite e do café e posto a mesa de jantar na varanda de fora da cabana. Ali coloco o computador e o plugo nas caixas de som. Únicas peças que fazem uso de energia elétrica além das 4 ou 5 lâmpadas que fornecem iluminação à choupana. Junto à mesa puxo uma velha cadeira de palha e estendo a rede na ponta direita da casa. A direita quando a casa está atrás de você e o morro a sua frente.

Aqui sonho mais do que sonho em São Paulo. Acho que esse sossego, essa tranquilidade, esse estado de espírito pós medo e delírio liberta a mente para reordenar-se de maneira mais rápida e produtiva. Os sonhos são rápidos e muitos e mesmo aqueles que deveriam ser pesadelos acabam tornando-se apenas um segundo do tempo subconsciente – coisa que inventei agora e que deve valer uns dois dias do tempo normal. Sonho da mesma maneira que escrevo ou vivo. Sonho com roteiro e com direção de arte, com começo, meio e fim. Sonho filmes completos que se eu largasse mão de tudo poderia viver a escrever roteiros para grandes produções que seriam merecidas até nos tapetes vermelhos do Oscar, onde eu andaria por entre aquele bando de pessoas e flashes e fotógrafos, tomando champagne até não poder mais segurar o grito para subir, agarrar a estatueta e soltar agum discurso bêbado e sem sentido.

Nada de televisão, algumas poucas páginas de livros apenas além das discografias do Cartola e Do Chico Buarqe que insisto em ouvir todas as músicas enquanto o carnaval corre lá fora. Enquanto o samba raíz corre aqui dentro. Um reduto referencial do samba. Quase uma aula que a mocidade não tem mais ouvidos para ouvir. É muita letra, é muito ritmo, é muita informação para uma geração onde a informação deve ser mais compacta, para uma geração com um gap de informação. Fora as páginas e a música a referência vem grande parte de dentro, dos sonhos lúcidos que tenho enquanto ainda estou acordado, ora rodando pela propriedade observando a natureza e descobrindo de onde vem cada som desconhecido ou o por que das folhas se mexerem naquele canto específico. Ou no vislumbre de um pequeno macaco a comer frutos que nós não comemos enquanto um tucano cruza o céu com sua única parceira de uma vida inteira. Tucanos são monogâmicos no sentido mais literal da palavra. Diferente dos humanos.

Tenho em mente, constantemente, as referências de tudo que já li ou já vi e que foram de alguma maneira interessante. Lembro das leituras de Kapra tentando explicar misticismo e física quântica e fico vivendo esses paralelos que ele traçou quando sinto cada partícula subatômica do meu corpo vibrar abaixo da queda gélida da cachoeira e realizo que todo meu corpo vibra, que a cachoeira vibra e então abro os olhos e sinto e vejo em terceira pessoa meu próprio corpo embaixo da cachoeira e a visão se afasta e vejo Extrema com seu carnaval e todos os foliões ainda a dormir e vejo o estado, o país, o mundo e vou indo mais longe até voltar para minhas próprias partículas subatômicas a se agitarem por causa da água gélida e me vejo novamente gigante ou ínfimo num mundo colossal ou estúpido. E quando volto tá lá Chico contando a macrovisão de um malandro que bebeu cachaça e deu no pé e acabou sendo preso por que os ianques proibiram os soldados aliados de beber. Tudo muito louco, a verdade é essa, a genialidade louca do Kapra, a minha, a do Chico.

Tendo os gênios em mente, tendo um samba chorado no que imagino ser uma vitrola mesmo sendo um aparato 100% tecnológico de computador-e-caixas-de-som-de-útima-geração volto àquilo que eu sonho. Aos roteiros muito bem elaborados e dirigidos que eu assisto ou faço parte enquanto durmo. São roteiros longos. Roteiros que depois de fazer sucesso como escritor eu soltarei na mão das pessoas. Dos formadores de opinião – isso é ridículo – que lerão e farão filmes com tudo aquilo que eu sonhei. Talvez eu nem apareça no Oscar, talvez veja o Oscar do conforto desse barco que agora estou enquanto uma mulher que eu tenha um amor sincero continua mexendo a janta na cozinha apenas com um avental e um taça de vinho na mão. Taça de vinho que degustamos juntos e que roubo um beijo aqui e acolá enquanto roubo um tento dessa mulher que está ao meu lado. Ela acaba de fazer a janta e nós esquecemos de ver se o filme ganhou ou não o Oscar por que estamos na varanda ouvindo alguma música que reforce essa nossa paz só nossa enquanto comemos, bebemos e depois fazemos sexo na grande poltrona roxa que eu insisto em puxar para fora da casa e ela fica louca por causa da bagunça e fica louca por causa do sexo na varanda podendo ver as estrelas e continuar bebendo e ficarmos abraçados por que ali só tem a gente e mais nada num raio de 600 metros e isso já é do caralho! Com uma mulher assim eu esqueço o Oscar, esqueço de mundo e fico feliz só com a simplicidade de uma boa conversa quando tivermos o que conversar por que os fatos acabam, essa é a verdade, uma hora os fatos acabam e você precisa começar a conversar pensamentos, ideias, conceitos que você acabou de ler num livro que robou ali daquela estante de livros mais velhos do que eu ou que você e nessa hora, que uma mulher deixa os fatos de lado e conversa com ideias e pensamentos e conceitos é para essa mulher que você fala “eu te amo” e fala com vontade, fala de verdade, fala como Romeu falou para Julieta ou como aquela mina do “clube da luta” falou, ou com Cody, amigo do Jack, no “Big Sur” de Keruac falou pra aquela loira com quem fez um filho. E ai para essa mulher você se entrega inteiro e sabe que pode juntar os trapos e fazer uma festa maior do que tudo o que você já pôde fazer e pronto.

04

E depois dos gênios em mente tenho em mente os gênios pessoais de cada um, tenho em mente aquele gênio que que a humanidade talvez nunca venha a conhecer, a genialidade diária do dia a dia da vida de cada um. Pode ser um professor, pode ser um amigo, pode ser um amor que faz você descobrir em você mesmo, que faz você soltar de você mesmo uma habilidade, uma qualidade ou uma vontade de fazer alguma coisa pelo resto dos seus dias. Pode ser um mestre, pode ser um gênio, pode ser um amigo que solta em você alguma coisa que você ficará preso pelo resto da vida e vai caber você e APENAS A VOCÊ a capacidade defazer disso o seu anjo ou o seu demônio, de fazer você transformar isso em solução ou problema, em sacrifício ou ressureição, em prazer ou vício. Tenho em mente os tempos da escola, lá pelos meus 15 anos me fazendo ser o aluno mais novo de um primeiro colegial de 1998, coisa de 15 anos atrás. Metade da minha existência, na verdade. E pensar que lá por aqueles anos já me achava adulto... A inocência de um ser semicrescido, semidesenvolvido, com uma monte de hormônios começando a aflorar enquanto em todas as meninas da sala já havia aflorado fazia um certo tempo então eu era uma criança que mal tinha pelos onde deve-se ter pelos – hoje em dia devidamente aparados – envolto por pequenas musas de peitinhos a crescer e calças apertadas e sorrisos ainda meio tortos mas absurdamente sensuais lá em 1998.  E nesse tempo que eu ainda era uma criança sem noção nenhuma do que realmente era o mundo, que não pensava em mais nada e que tinha como maior dificuldade da curta vida chamar uma menina para dançar, do outro lado do salão que mais parecia todo um universo separando duas formas de vida completamente diferentes e eu ficava lá estancado, olhando para todos os meus amores platônicos que foram a minha iniciação, digamos assim, do prazer de escrever ou da necessidade de escrever, não sei bem.

Só sei que no meio de todo esse cenário caótico de uma criança de 15 anos que fazia da escrita uma válvula de escape para tudo o que queria falar mas sofria de uma timidez absurda, aparece um professor que pede uma redação descritiva de alguma figura que lhe chamava a atenção no colégio. Deixei os amores de lado e foquei numa pessoa que sabia amar que me parecia ser o que eu queria ser quando crescer. O professor que solicitou a redação foi o Álvaro, um cara esguio dos olhos claros e boa pinta que conquistava todas as menininhas do primeiro até o terceiro colegial – onde elas já tinham peitos plenamente desenvolvidos e o sorriso não era mais torto e sim plenamente sensual e elas já tinham descoberto isso – e tinha um viés pedófilo ou era apenas ciúme infantil da massa masculina que não não conquistava ninguém, já o escohido por mim para ser descrito era um professor completamente alucinado de física que tinha que dar aulas de óculos por que a luz da sala era forte demais para ele. Sempre pensei que ele tinha algum segredo escondido, ou fabricava bombas para um dia destruir o planalto central ou usava e abusava de alguma droga que ele mesmo tinha inventado – veja, quanta inocência, ele era físico e não químico. A Descrição desse professor maluco foi o primeiro 10 que tirei no colegial e foi onde descobri e recebi o primeiro incentivo de que eu sabia fzer uma coisa que poucas outras pessoas sabiam fazer. Escrever. Descobri que o que se passa na minha cabeça é diferenciado do que passa na cabeça da maioria das pessoas, ou não, ou o que passa na minha cabeça é exatamente o o que as pessoas querem ouvir mas sofrem da mesma timidez que eu sofria até aquele momento, a timidez de se expressar sinceramente. O Álvaro pediu 15 minutos a mais depois de todos entragarem a redação e leu a minha em voz alta. Eu na cadeira da frente, onde costumava sentar, completamente vermelho de vergonha e com medo pensando em todas as risadas que viriam de um público que eu não tinha coragem de ver e quanto eu iria apanhar dos machões da sala e quanto as meninas que eu amava em segredo nunca mais iriam nem ao menos me dar bom dia quando eu chegava mais cedo do que todos na escola não trazido pelos meus pais mas sim entregue pelo ônibus público. Uma obrigação que me fez ser mais livre do que quase todos que estudaram comigo e eram 01 ano ainda mais velhos. Eu ali, com um medo crescente enquanto o Álvaro chegava nas útimas linhas que relatavam o suor a escorrer da face do professor de física enquanto ele com todo o amor e com toda a paixão existente na face da terra tentava ensinar algumas mentes ainda não moldadas como o mundo funcionava na sua forma mais básica. Eu ali quase correndo da sala quando o Álvaro acaba a leitura da minha redação descritiva, redação que ele leu sem falar quem era o escritor, redação anônima até então e eu ali, tremendo, sofrendo quando ele anunciou meu nome ao final e a sala toda ficou em silêncio por aquilo que pareceram horas, mas eu tenho certeza que foram apenas alguns segundos e fui ovacionado com palmas e gritos e assobios e me coloquei de pé em frente a todos e disse obrigado.

Eles sorriam e batiam mais palmas e mesmo os valentões estavam com um sorriso no rosto por que o professor de física era um cara querido por todos, entende? Todos viam aquilo e todos eram apaixonados por aquilo mas nunca tiveram coragem ou extroversão para colocar para fora. Ou não sabiam colocar em palavras tudo aquilo que sentiam podendo, ao máximo, expressar um “a aula do cara é da hora, mano. Ele é foda” e eu ali, o menino mais novo e mais tímido e mais quieto colocando no mundo mais palavras do que já havia dito para muitos deles por uma vida inteira. E assim recebi a “carta de auforria” para escrever todas as próximas linhas da minha vida, inclusive essas mesmas que alguém leu até aqui.


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