5.3.13

UmaHoraeMeia




P.S. O difícil é entender a velocidade que tem que ler esse conto. Mas quando as palavras acertam-se na sua fluidez juntamente com os olhos e com o cérebro, ele começa a fazer mais sentido do que se você ficar buscando a grafia correta das palavras e das frases. Corre os olhos por todas as linhas como você corre todas as manhãs para chegar no trabalho e como eu corro para um dia ainda te encontrar no meio da rua a fechar aquele portão eletrônico e finalmente gritar:

"Nossa! Que conicidência!"


E ai você acorda e sai da cama abrindo a janela de sopetão pra ver se o sol lhe causa aquele prazer raro que já causou algum dia mas tudo que você sente é o peso daquele calor e ardência dos olhos que queimam e deixam a cegueira – cegueira que te lembra do livro -  momentânea fazer você pisar no pequeno caco de vidro que sobrou da festa doente da noite passada. Três passos para trâs e algumas gotas de sangue lhe fazem mais vivos juntamente com uma esticada dos braços e o bocejo de uma noite mal dormida onde palavras estranhas flutuaram pelo teu cérebro e você não sabia o que fazer com elas a não ser desmaterializá-las até descobrir  anagramas de línguas que você nunca viu na vida até cair no sono com sonhos lúcidos de festas com amigos que não existem mais numa vila que nunca existiu fazendo churrasco de carnes antigas e bebendo os vinhos feitos pelos nórdicos dos anos 234. E acorda e estica e percebe a televisão ligada e relembra o sonho e o programa e entende por que sonhou o que sonhava mas ainda não entende as palavras. Banheiro, espelho, chuveiro de água fria e uma roupa bonita para mais um dia um dia que acaba daqui umahoraemeia e começa daqui umahoraemeia um outro dia que não este mas de uma outra pessoa, de uma segunda versão de você.

E ai você sai de casa e entra no carro já cheio de suor buscando alguma alegria nessa umahora que você tem para ser você e para na padaria, senta no sol, abre uma revista, come um hot roll e lê lê que a alma existe e entende de metafísca e de quântica e de Deus x ciência e deixa de lado as informações que falam para você que são importantes porque você tem MENOS DE UMAHORA antes de chegar no seu segundo eu e sentar e fazer das importâncias maiores da sua vida os agrotóxicos e os embutidos de frango – ler pornopopeia -  e os tubos e conexões Amanco. Acaba de comer, deixa a revista no seu ato solidário solitário de compartilhamento de informação gratuita e pensa na próxima pessoa que vai ler o que você leu e pensa que talvez ela ROUBE essa revista e deixe na recepção do escritório onde ela trabalha e lá vai ficar por 1, 2, 3, 30 anos nesse ato egoísta solitário de quem a roubou para fingir fazer um bem para a empresa por que ele leu que W.O. conseguiu seu primeiro emprego pegando um clipe do chão e devolvendo para a mesa.

E volta o carro e volta o suor e voltam as teses da felicidade e a raiva pelo capitalismo que sempre passa a cada semáforo que você para e vê dois mendigos cheirando cola e fumando pedra e tem uma visão semi budista e entende que você não tem nada mais do que eles tem a não ser sorte ou talvez azar e talvez você seja pior do que eles são mas você tem que parar de pensar por que o sinal abriu e alguém buzina atrás de você, alguém sem metafísica, alguém sem Bach, alguém sem Kapra, alguém sem Miller e você sai acelerando porque o tempo é curto, curto demais, para ler tudo o que você quer e ver tudo o que quer e pensar tudo o que você quer pensar, ler, ver e cai novamente naquele eu que está chegando, naquele segundo eu por que você tem mais TRINTAMINUTOS antes de chegar e ter que pensar em tubos e agrotóxicos e sementes turbinadas e reuniões às cincodatarde em algum lugar longe demais numa cidade grande e caótica demais.

Esquerda, direita, esquerda, para com mais mendigos pedindo dinheiro um mendigo bem apessoado meio nervoso meio noiado pedindo um troco para todos os carros e você o encara esperando que ele venha e você tenha que abaixar o vidro e lhe entregar qualquer quantia insignificativa de dinheiro ou comida se comparada àquilo que você gasta com coisas superfluas e mulheres superfluas mas ele passa reto por você e abaixa a cabeça e se sente mal e você quase desce do carro para tirar satisfações do por que daquilo tudo mas lembra que aquele mesmo mendigo é um grande filha da puta que consegue trocos de DEZREIAS por que fala que o carro dele tá quebrado e a filha doente e sua mente te segura por um segundo com a vontade de descer e explicar aquela farsa nem melhor nem pior que você e você lembra de todo o dinheiro que todos gastam fazendo eventos e vídeos e planos de saúde de uma saúde que você nunca cuida por que tem plano e tem que gastar, gastar e aproveitar aquilo que está pagando e nisso pensa em largar tudo e mandar o mundo pra a puta que o pariu e deixar a cabeça vaguear só naquilo que você quer e naquilo que você gosta mas sabe que isso é loucura, patologia, doença e desiste e o semáforo abre e você abre um sorriso lembrando que o mundo não está perdido enquanto for um prazer conversar com seu pai naquele bar de sempre ou naquele sofá de sempre e papear com a sua mãe naquela varanda de sempre e poder reunir a família naquele restaurante de sempre e rir ou filosofar ou viajar e perceber que a vida é feliz e sempre vai ser.

E nos quinzeminutosfinais você corre e olha para a primeira mulher que passa na sua frente e pensa que ela pode ser o grande amor da sua sexta feira e desiste dos embutidos e dos tubos e das sementes e dos rolamentos e corre em sua direção declarando-se e colocando ela no carro já com o telefone em mãos dando um desculpa esfarrapada enquanto você já está em direção a Caçapava e ouve ela gritando MEU AMOR POR QUE CAÇAPAVA!?!?! E dá-lhe explicar a ela que o mundo é feio e caçapava é pior ainda com sua miss cheirando cola em algum quarto sujo de um hotel barato e por isso vocês TEM que ir para caçapava e deixar ali todo o seu amor  pornográfico para ver se alguma coisa de decente sai daquela cidade depois de um beijo romântico naquela praça suja e uma cerveja gelada naquele buteco quente. E quando ela acorda você já não está mais lá e ela chora desolada e descontente abandonada no pior lugar do mundo sem um puto na carteira tendo que trabalhar o resto da vida naquela espelunca pra pagar uma dívida que NÃO É SUA. E ela grita de fundo do pulmão TE ODEIO!!!! E você ouve, ouve e corre e acelera mais uma vez com os vidros fechados e o suor a lhe escorrer da face pensando onde estará o amor daquele dia que irá te salvar daquele outro eu dos embutidos que você não tem mais coragem de encontrar mas lhe falta bolas para fugir e tem umahoraemeia para lembrar que aquilo também te faz feliz quando a porta abre e você liga o arcondicionado e pensa que a vida nem é tão ruim assim, que a vida é bem boa sim e que só esse calor infernal que está atrapalhando seus pensamentos e a sua pontuação e deixa tudo aquilo de lado abraçando esse seu eu delirante formando o romance entre os dois vocês desse mundo que todo mundo é um pouco esquizofrênico e que na verdade você talvez nunca tenha nem ido para Caçapava.

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